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‘O agro sem água’: a luta para ampliar o acesso ao recurso no Norte de Minas

Produtores rurais pressionam por mudanças nas leis e no entendimento de órgãos ambientais para garantir a sobrevivência dos negócios

Hilda Loschi administra 550 hectares de plantações de banana, uva e limão irrigados, além de mil cabeças de gado Nelore na propriedade em Claro dos Poções, no Norte de Minas. Horticultora e pecuarista, atua também como vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Montes Claros e é membro da Comissão da Mulher da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg). “Minha batalha é pelas pessoas que enfrentam todos os dias dificuldades para sobreviver da terra”.

Nascida em Barbacena, no Campo das Vertentes, Hilda chegou ao Norte em meados dos anos 80, quando se casou com Alfeu Quadros, então colega da faculdade de Agronomia. “Era um tempo em que não existiam tantas restrições hídricas e pudemos trabalhar com irrigação na horticultura”, rememora. Alguns anos depois, Alfeu morreu prematuramente num acidente de carro. Com a ajuda dos irmãos, Hilda deu continuidade ao negócio e diversificou as atividades agropecuárias.

Quando ela fala em batalha, se refere a uma série de entraves para projetos de irrigação, reservação e o uso de águas subterrâneas. Acredita que o entendimento de órgãos ambientais no cumprimento das leis dificulta o acesso dos produtores à água.

“Temos feito várias solicitações a órgãos como o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) e a Supram (Superintendência Regional de Meio Ambiente) para sensibilizá-los. É por elas (as pessoas que trabalham no campo) que pleiteamos mudanças para impedir que percam a única possibilidade de sobreviver da terra, que é por meio do acesso à água. Sem isso, essas pessoas vão continuar produzindo pouco. Com água, será possível mudar a realidade, organizar os processos de produção e aumentar a produtividade”, acredita.

Uma das críticas de Hilda é à obrigatoriedade de leitura diária do horímetro e do hidrômetro por quem tem outorga de uso de água subterrânea. “Não compreendemos a necessidade disso: nem a Copasa trabalha dessa forma. Dá um trabalho enorme e, em alguns casos, significa ter um funcionário por conta. Não bastaria reportarmos o consumo mensal?”, questiona. “Fazemos também um trabalho político junto aos parlamentares mineiros para que entendam: a única forma de desenvolvimento social e econômico no Norte do Estado é a partir da reservação de água”.

“Não queremos destruir o meio ambiente”

O produtor rural e ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Montes Claros, Alexandre Viana, também é crítico do sistema de leitura exigido por lei. Ele questiona o volume permitido para uso. Em outorgas de ‘uso insignificante’, há o limite de 14 mil litros de água por mês. “Essa quantidade não dá para irrigar meio hectare. A lei foi feita por quem não entende do assunto”, desabafa.

Viana explica que a obtenção de uma outorga acima deste volume leva ao menos dois anos, principalmente em áreas próximas à Bacia do Verde Grande, onde há muita restrição de uso de águas subterrâneas. “Para que essa legislação tão rígida? Não queremos destruir o meio ambiente. Só queremos leis mais flexíveis para o crescimento da produção e a construção de barragens para perenizar os rios”, afirma.

Igam defende rigidez como forma de proteção

Diretor geral do Igam, Marcelo da Fonseca defende a rigidez da legislação para proteger o meio ambiente: sem preservação não há desenvolvimento possível para o agronegócio. “Precisamos de um ambiente equilibrado para a produção. Se os recursos hídricos não forem protegidos, a água vai faltar em algum momento. A legislação e as normas oferecem instrumentos para garantir a disponibilidade hídrica a longo prazo”, pontua. Assim, o propósito é garantir água em quantidade e qualidade para os moradores de hoje e das gerações futuras. “Não termos uma biodiversidade ativa vai gerar dificuldades de polinização e, consequentemente, de produção”, compara.

Fonseca rebate as críticas sobre a exigência de leitura diária dos hidrômetros nas propriedades

A respeito da exigência de leitura diária do hidrômetro, Marcelo diz que os objetivos são diferentes. A Copasa faz a medição mensal para fins de faturamento e saber “quanto de água foi consumida no mês para precificar o serviço que ela oferece”. Já a medição exigida em outorgas busca controlar a vazão dos cursos d ‘água para que não sequem. “É preciso saber se, naquele dia, a propriedade ultrapassou a quantidade de água a que tem direito. Para o Igam, faz diferença se tiver captado em um único dia tudo o que usou no mês. O usuário não pode captar toda a água num dia só, ele precisa diluir o consumo ao longo dos dias para garantir que não haverá um esgotamento, uma seca repentina do rio. Essa é a regra geral para a grande parte dos usuários”, explica. Em casos específicos, é necessário até mesmo o acompanhamento por hora ou online por telemetria, disse o diretor.

Quando há vários interessados em uma região, é preciso seguir as normas para evitar situações de conflito. Os usuários precisam observar exatamente o que foi estabelecido no processo de outorga”, ressalta.

‘Sonhos destruídos me movem’, diz Hilda

Hilda diz que entende as responsabilidades dos órgãos ambientais no cumprimento das leis. Mas acredita que os gestores precisam se colocar no lugar dos pequenos produtores rurais. “Eu convivo muito com eles, vejo a luta diária que travam e, então, lembro do meu pai, que lutou muito para não desistir. Quando um produtor vê a burocracia que precisa enfrentar para fazer qualquer regularização, ele desiste. E a desistência dele é a de uma família inteira. O filho precisa deixar a escola ou a faculdade para assumir um subemprego e, simplesmente, para de sonhar. Os sonhos das pessoas sendo destruídos me movem”.

Fonte: Itatiaia Agro

Link para a notícia: www.itatiaia.com.br/agro/2024/10/30/o-agro-sem-agua-como-ampliar-o-acesso-ao-recurso-no-norte-de-minas

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